quinta-feira, 17 de junho de 2010

As fábulas da não-ligação

Por Sr. Russo


"Ele não ligou para que não fosse atrapalhado o seu precioso sono, que seria, provavelmente, sucedido de um belo e reforçado café da manhã, com frutas e iguarias bem servidas pelos seus escravos, enquanto a belíssima Marcela aguarda a carruagem e a ida à ópera com o lorde Daniel I.
- Leide Marcela... mandaram chamar.
- Oh! sim! Deve ser o tílburi! Manda-me esperar, vou em busca da sombrinha."

"Vai ver ele não te ligou para não incomodar a larga produção de mel pelos favos da sua colmeia, abelha rainha Marcela. Ele pode ter imaginado que era melhor deixar que você descansasse, enquanto seus zangões e operários trabalhavam para lhe fornecer o mais doce dos doces e para que você continuasse a zunir com tamanha beleza e com esta bela cinturinha."

"Ele procurou não ligar para não atrapalhar o ritual de umbanda que estava sendo realizado em sua homenagem, em algum terreiro atrás do Bristol, idolatrando a maravilha morena que é Marcela. Você deixou o celular com algum preto velho que, lendo a bina, preveria o futuro: esse é grude, minha filha, vou receber uma entidade aqui que vai afastar gente ruim que dança em boates."

"Ele não te ligou porque temeu - e temeu muito - a reação equivocada - demasiado equivocada, ora, e o amor?? - do carcereiro, arrastando o cacetete pelas grades. O homem, caso visse o detento Daniel, preso por amar demais, condenado às barras da cela do presídio 'Desdém de Marcela I', caso o visse ligando de um celular roubado, colocá-lo-ia na solitária, à espera eterna do encontro com a amada."

"Ele não quis ligar no seu celular com medo de que interrompesse o espetáculo 'A vida de Daniel', o qual você protagonizava; um monólogo esplêndido e mundialmente premiado, com você usando um colant preto, uma forma de protesto à aderência excessiva do amante, que te espreme à maneira das ruas de São Paulo, por onde vocês, certa vez, se abraçaram."

And scene!

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