domingo, 2 de agosto de 2009

Uma aprendizagem, porque ela é foda.

"(...) durante o sábio descontrole de Lóri ela tivera para si mesma agora as vantagens libertadoras vindas de sua vida mais primitiva e animal: apelara histericamente para tantos sentimentos contraditórios e violetos que o sentimento libertador terminara desprendendo-a da rede, na sua ignorância animal ela não sabia sequer como, estava cansada do esforço de animal libertado."

"(...) revoltava-se sobretudo porque aquela não era para ela época de 'meditação' que de súbito parecia ridícula: estava vibrando em puro desejo como lhe acontecia antes e depois da menstruação."

"Mais uma vez, nas suas hesitações confusas, o que a tranquilizou foi o que tantas vezes lhe servia de sereno apoio: é que tudo o que existia, existia com uma precisão absoluta e no fundo o que ela terminasse por fazer ou não fazer não escaparia dessa precisão; aquilo que fosse do tamanho da cabeça de um alfinete não transbordava nenhuma fração de milésimo além do tamanho de uma cabeça de alfinete: tudo o que existia era de uma grande perfeição."

"(Lóri se cansava muito porque ela não parava de ser)"

"Ficaram calados. Ele talvez pensando com cautela que era sua primeira cena de ciúmes. Ela feliz, pensando que esssa era sua primeira cena de ciúmes."

"Sou um monte intransponível no meu próprio caminho. Mas às vezes por uma palavra tua ou por uma palavra lida, de repente tudo se esclarece.
Sim, tudo se esclarecia e ela surgia dentro de si mesma quase com esplendor."

"O melhor modo de despistar é dizer a verdade (...)"

"Não é por nada que olho: é que eu gosto de ver as pessoas sendo."

"Ela quis retroceder. Mas sentia que era tarde demais: uma vez dado o primeiro passo este era irreversível, e empurrava-a para mais, mais, mais! O que quero, meu Deus. É que ela queria tudo."

"Mas era tarde: ela já ansiava por novos êxtases de alegria ou de dor. Tinha era que ter tudo o que o mais humano dos humanos tinha. (...) Suportaria tudo. Contanto que lhe dessem tudo."

"Essa desarticulação é necessária para que se veja aquilo que, se fosse articulado e harmonioso, não seria visto, seria tomado como óbvio."

"Nos piores momentos, lembre-se: quem é capaz de sofrer intensamente, também pode ser capaz de intensa alegria."

"Foi então que entrou numa fase - seria fase ou para sempre? - em que regrediu como se estivesse perdido tudo o que ganhara. E no fundo - perguntava-se ingrata - o que ganhara? Nada, respondia com ódio, não sabia por quê, de Ulisses."

"E ela? Que fazia como o exercício profundo de ser uma pessoa? Fazia o mar de manhã (...)"

"De algum modo já aprendera que cada dia nunca era comum, era sempre extraordinário. E que a ela cabia sofrer o dia ou ter prazer nele. Ela queria o prazer do extraordinário que era tão simples de encontrar nas coisas comuns: não era necessário que a coisa fosse extraordinária para que nela se sentisse o extraordinário." (amo MUITO essa...)

"Bem sabia, experimentaria enfim em pleno a dor do mundo. E a sua própria dor de criatura mortal, a dor que aprendera a não sentir. Mas também seria por vezes tomada de um êxtase de prazer puro e legítimo que ela mal podia adivinhar. Aliás, já estava adivinhando porque se sentiu sorrindo e também sentiu uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais."

"Ela se guardava. Por que e para quê? Para o que estava ela se poupando? Era um certo medo de sua capacidade, pequena ou grande. Talvez se contivesse por medo de não saber os limites de uma pessoa." (nossa, na mosca!)

"Através da embriaguez do jasmin, por um instante a revelação lhe veio, sob a forma de um sentimento - e no instante seguinte ela esquecera o que soube através da revelação. Era como se o pacto com o Deus fosse este: ver e esquecer, para não ser fulminada pelo intolerável saber." (essa também amo muito)

E, para fechar com chave de ouro:

"- Você é a mesma de sempre. Só que desabrochou em rosa vermelho-sangue."

Clarice Lispector, Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres

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