- Ah, não, Renata! Vocês duas tão comendo toda a minha pipoca!
E rimos juntas do menino irritado. Eram daquelas pipocas doces prontas da Yoki, que vinham num saquinho como se fossem salgadinho. Acho que isso nem existe mais, o que é uma pena, porque eram muito boas. A do Matheus era de chocolate (a melhor), e ele não queria dividi-la com o resto dos colegas que brincavam com ele debaixo da árvore no Parque Ibirapuera, na excursão da escola.
Ele continuou comendo, ainda franzindo o cenho. O chocolate coloria as pequenas rachaduras que ele sempre tinha na boca. A língua dele também era meio rachada, coisa fácil de notar, porque toda vez que ia chutar forte a bola, ele dobrava e mordia a língua. Na queimada também: eu ficava hipnotizada olhando aquele rolinho rosa claro sendo mordido quando, de repente, recebia uma bolada na perna. “Senta, Marcela, pegou na sua perna que eu vi!”
Um dia, cheguei chorando na escola porque minha mãe havia me massacrado no carro, não sei por quê. Ele veio tentar entender minha tristeza e, de repente, estávamos os dois, de 10 ou 11 anos de idade, conversando sobre as nossas mães. “Quando faço algo certo ou legal, ‘não é mais que minha obrigação’. Mas se saio da linha um tiquinho, nossa, eu sou a pior pessoa do mundo!”, desabafou, para o meu espanto. Ele sabia exatamente como eu me sentia. “Ééééé!”, falei um pouco alto demais, apontando pra ele e arregalando os olhos. Incrível.
E eu ainda estava com vontade da pipoca.
- Matheus, você vai me matar se eu pedir mais uma? É a última, juro!
- Pode pegar – disse, oferecendo tranquilamente o pacote.
- Ei, por que ela pode e eu não? – protestou Renata, enquanto eu sorria com satisfação e colocava uma pipoca de chocolate na boca – É PORQUE VOCÊ GOSTA DELA?
Arregalei os olhos e segurei a respiração. Ele ia acabar comigo. Não acredito que ela perguntou isso! Ai meu deus, ai meu deus!
- E se eu gostar? Qual é o problema? – desafiou.
Engasguei.
- Nenhum, nenhum...
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