sábado, 18 de julho de 2009

Itanhaém

A Kombi branca foi mais um dos mini presentinhos que a vida deixava, formando um caminho de volta pra casa. Na verdade, ela não deixou o lar e também não voltaria nunca mais, nunca se volta. Mas a ideia de casa seria, na verdade, a de um sentimento familiar de paz. Como as migalhas de João e Maria, as surpresinhas pareciam lidar naquele lugar onde se quer estar, que é cada hora de um jeito.

Ela iria a trabalho para bem longe, mas não entendeu o porquê da Kombi, já que seriam apenas ela e o motorista na viagem. Quando entrou, sentou e sentiu o cheiro do carro, transportou-se a um passado distante, à época em que voltava da escola todos os dias naquela outra Kombi branca, com a listra amarela.

Naquele momento, o dia era feliz, bonito, ensolarado, morno. E, sem saber, ela estava naquele lugar onde se que estar. Mas só de passagem. Dormia meio acordada no banco do passageiro, em paz, sim, em paz. O motorista olhou de relance. Que surpresa. A garota, que agora a pouco conversava simpaticamente e risonha, entrara numa calmaria sem explicação, de quem se contenta com a música do rádio e com a paisagem, sai em espírito por aí, como se estivesse unida a tudo. Estava nas ranhuras das elevações de terra, na textura das folhas, no cheirinho de plantas passando rápido, na batida da música e em seus pensamentos, consigo mesma. Naqueles momentos de carro, ela estava presente em todos os lugares, com todas as pessoas e ainda mais com ela própria.

O moço loiro de terno dirigia e observava com curiosidade o rosto trepidante encostado no vidro. Ela abriu um pouco os olhos e ele desviou. Mas ela viu. Fechou-os novamente e sabia que tinha sido observada. Longe de incomodar, foi como se a cobrissem com uma manta e dessem-na um beijo na testa.

- Estamos bem longe. Soube que daqui dá pra ir à praia em 25 minutos, disse ele mais tarde.
- Nossa, então é pra lá que vamos. Deixar tudo pra trás.

E iam. Comprariam uma casa, uniriam duas vidas de repente. Logo, ela descobriria que ele era viciado em cortar as próprias unhas dos pés, que não gostava de discutir enquanto comia, que tinha soluços depois do banho, que tinha medo de E.T.s. Ele logo descobriria que ela sente um prazer especial quando come tomate, que se sente bem quando está apressada, que o frio ora lhe dava forças, ora lhe derrubava, que tinha um jeito peculiar de olhar a vida. Brincariam juntos de fazer cócegas, de se baterem na cara com travesseiros, de adivinharem seus pensamentos, de esconder coisas, de se pintarem. Conheceriam um o corpo do outro. A mente. A alma. Dividiriam segredos secretos, tristezas secretas, secretos secretos. Tudo isso formaria um laço forte, quase inviolável, traria certezas, esperanças e medos.

Mas uma hora acabaria. A novidade da paixão passaria. As dificuldades da vida a dois permaneceriam. Ela se refugiaria no negro alto e forte que viu tirando fotos na praia de um jeito peculiar, sentado observando o mar como ela o fazia, com ares de ser aquela pessoa vivida e madura que ela tanto admira. Veria nele as coisas que o outro não tinha. Seria cada vez mais distante, sentiria a desilusão de acreditar nos próprios sentimentos efêmeros. Questionaria também o novo amor. Partiria. Mas também não voltaria para casa. Nunca se volta.

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